quinta-feira, 31 de março de 2011
quarta-feira, 30 de março de 2011
terça-feira, 29 de março de 2011
Positivismo...
Estamos aqui num palpitar do coração e noutro desaparecemos.
Recusámos a ser meros passageiros na viagem do tempo.
Arriscámos e podemos perder tudo, mas pelo menos tivemos a ausência do nada ali tão perto.
As lágrimas tão acres que abriram sulcos nos rostos petrificaram e deixaram esculturas imponentes de homenagem a soldados conhecidos em guerras sem armas..
O silêncio esconde-se à espreita em sombras que esperam pelo amanhecer.
Um amanhecer que traz consigo todos os pensamentos do que ficou para trás e foi edificado a muito custo e cujas intempéries do cérebro jamais conseguiram amolgar.
Sentimos o olhar do céu estrelado cravado em nós. Olhos penetrantes estes que reluzem e empalidecem perante a nossa passagem.
Sentem a nossa catarse que se disfarça sob a forma de um mero sorriso.
O nosso inspirar é cristalino, e o expirar é feito de sonhos maiores do que a mortalidade.
A vida maior do que a vida bafeja no nosso pescoço.
E a existência despida de preconceitos aguarda o nosso toque. Um toque frio repleto dos tormentos de um ser completo.
A perfeição está ao virar da esquina.
Está na hora de seguir em frente.
Alguns não conseguirão conter a curiosidade e contemplarão por breves segundos a sua imagem perfeita reflectida no espelho redutor do conformismo.
Não se deixam iludir pela mais bela das ilusões.
Continuam o caminho em sentido inverso aos ponteiros do relógio...
Rumo à imperfeição.
Ao que os faz sentir humanos...
Recusámos a ser meros passageiros na viagem do tempo.
Arriscámos e podemos perder tudo, mas pelo menos tivemos a ausência do nada ali tão perto.
As lágrimas tão acres que abriram sulcos nos rostos petrificaram e deixaram esculturas imponentes de homenagem a soldados conhecidos em guerras sem armas..
O silêncio esconde-se à espreita em sombras que esperam pelo amanhecer.
Um amanhecer que traz consigo todos os pensamentos do que ficou para trás e foi edificado a muito custo e cujas intempéries do cérebro jamais conseguiram amolgar.
Sentimos o olhar do céu estrelado cravado em nós. Olhos penetrantes estes que reluzem e empalidecem perante a nossa passagem.
Sentem a nossa catarse que se disfarça sob a forma de um mero sorriso.
O nosso inspirar é cristalino, e o expirar é feito de sonhos maiores do que a mortalidade.
A vida maior do que a vida bafeja no nosso pescoço.
E a existência despida de preconceitos aguarda o nosso toque. Um toque frio repleto dos tormentos de um ser completo.
A perfeição está ao virar da esquina.
Está na hora de seguir em frente.
Alguns não conseguirão conter a curiosidade e contemplarão por breves segundos a sua imagem perfeita reflectida no espelho redutor do conformismo.
Não se deixam iludir pela mais bela das ilusões.
Continuam o caminho em sentido inverso aos ponteiros do relógio...
Rumo à imperfeição.
Ao que os faz sentir humanos...
domingo, 27 de março de 2011
Mais Vale Ser Surdo que Ensurdecido
Antigamente as pessoas queriam criar-se uma reputação: isso já não basta, a feira tornou-se demasiado vasta; agora é necessário vender aos berros. A consequência é que mesmo as melhores gargantas forçam a voz e as melhores mercadorias não são oferecidas por orgãos enrouquecidos; já não há génio, nos nossos dias, sem clamor e sem rouquidão. Época vil para o pensador: devemos aprender a encontrar entre duas barulheiras o silêncio de que se tem necessidade e a fingir de surdo até chegar a sê-lo. Enquanto não se tiver chegado a isso, corre-se o risco de perecer de impaciência e de dores de cabeça.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
Antigamente as pessoas queriam criar-se uma reputação: isso já não basta, a feira tornou-se demasiado vasta; agora é necessário vender aos berros. A consequência é que mesmo as melhores gargantas forçam a voz e as melhores mercadorias não são oferecidas por orgãos enrouquecidos; já não há génio, nos nossos dias, sem clamor e sem rouquidão. Época vil para o pensador: devemos aprender a encontrar entre duas barulheiras o silêncio de que se tem necessidade e a fingir de surdo até chegar a sê-lo. Enquanto não se tiver chegado a isso, corre-se o risco de perecer de impaciência e de dores de cabeça.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
Porque recordar é viver... Como já dizia o outro... Não sei quem...
TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos, 15-1-1928
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos, 15-1-1928
quinta-feira, 24 de março de 2011
Trazes um eco cravado no peito.
Um som estridente de despeito.
Trazes um desejo no olhar.
Um horizonte a explorar.
O que está para lá do para sempre?
O tempo é uma medida supérflua.
Quantos suspiros caberão numa eternidade?
E depois dessa eternidade terminar o que erguer-se-á?
Monumentos de em forma de momentos?
Pode ser de raiva o eco que carregas no peito.
Pode ser o som das mil e uma noites em que o sono não te visita.
Ou, somente, um murmúrio meu que se esconde bem dentro de ti.
E sopra bem de dentro, bem de dentro, das entranhas...
Ecoa em palavras que se perdem porque não as queres mais libertar ou muito menos guardar...
Um som estridente de despeito.
Trazes um desejo no olhar.
Um horizonte a explorar.
O que está para lá do para sempre?
O tempo é uma medida supérflua.
Quantos suspiros caberão numa eternidade?
E depois dessa eternidade terminar o que erguer-se-á?
Monumentos de em forma de momentos?
Pode ser de raiva o eco que carregas no peito.
Pode ser o som das mil e uma noites em que o sono não te visita.
Ou, somente, um murmúrio meu que se esconde bem dentro de ti.
E sopra bem de dentro, bem de dentro, das entranhas...
Ecoa em palavras que se perdem porque não as queres mais libertar ou muito menos guardar...
terça-feira, 22 de março de 2011
Piada de muito mau gosto...
O processo revolucionário na Líbia já produziu o seu primeiro resultado prático.
Khadafi autorizou que o hino do país passasse a ser este...
" Run to the hills
Run for your lifes..."
Khadafi autorizou que o hino do país passasse a ser este...
" Run to the hills
Run for your lifes..."
segunda-feira, 21 de março de 2011
Queria perecer em noites de vendaval observado bem de perto pela tua boca.
Se ela tivesse olhos, veria o sucumbir das almas que carrego bem dentro de mim.
Nada é mais doce e ao mesmo tempo letal como a tua boca.
Segrega veneno quente e palpitante de vida ao mesmo tempo que retira a minha.
Doce morte que me espera no contorno dos teus lábios,
Alimento para os foragidos que não fogem de dentro de mim.
No estendal de personalidades que armo nas noites de vendaval,
Escorre uma metáfora do que eu sou.
Apenas mais uma das muitas almas sonhadoras,
E dos teus lábios devoradoras...
Se ela tivesse olhos, veria o sucumbir das almas que carrego bem dentro de mim.
Nada é mais doce e ao mesmo tempo letal como a tua boca.
Segrega veneno quente e palpitante de vida ao mesmo tempo que retira a minha.
Doce morte que me espera no contorno dos teus lábios,
Alimento para os foragidos que não fogem de dentro de mim.
No estendal de personalidades que armo nas noites de vendaval,
Escorre uma metáfora do que eu sou.
Apenas mais uma das muitas almas sonhadoras,
E dos teus lábios devoradoras...
domingo, 20 de março de 2011
Portugal tem talento...
... e se tem. dois fins de semana com do melhor que se faz por cá em termos musicais.
Depois de Dead Combo em Arcos de Valdevez, Linda Martini ontem em Esposende foi um concerto do caralhão!!!!!!!
Depois de Dead Combo em Arcos de Valdevez, Linda Martini ontem em Esposende foi um concerto do caralhão!!!!!!!
sábado, 19 de março de 2011
sexta-feira, 18 de março de 2011
Hoje sinto-me assim...
O cansaço disfarça-se nas olheiras de um velho sonhador noctívago.
os seus olhos prendem-se num ponto perdido no soturno horizonte.
o ponto aparece e desaparece como as margens vistas de um barco que transporta as ilusões.
Talvez esse velho sonhador hoje esteja aí.
Talvez esteja em qualquer lado.
Está em todo o lado menos no seu corpo.
Sente espíritos de outrem a pulsarem de vida, mas ele permanece inerte...
Toca nas suas veias na vã esperança de as sentir pulsar.
Mas hoje ninguém o encontra, muito menos ele próprio.
Partiu algures à deriva em marés desafiadoras de conformidades...
Mas hoje, o sonhador fechará os seus olhos e no emaranhado de pensamentos abstractos que habitam os sonhos procurará uma breve centelha do que é, do que foi ou do que voltará a ser.
E para o fim de semana...
os seus olhos prendem-se num ponto perdido no soturno horizonte.
o ponto aparece e desaparece como as margens vistas de um barco que transporta as ilusões.
Talvez esse velho sonhador hoje esteja aí.
Talvez esteja em qualquer lado.
Está em todo o lado menos no seu corpo.
Sente espíritos de outrem a pulsarem de vida, mas ele permanece inerte...
Toca nas suas veias na vã esperança de as sentir pulsar.
Mas hoje ninguém o encontra, muito menos ele próprio.
Partiu algures à deriva em marés desafiadoras de conformidades...
Mas hoje, o sonhador fechará os seus olhos e no emaranhado de pensamentos abstractos que habitam os sonhos procurará uma breve centelha do que é, do que foi ou do que voltará a ser.
E para o fim de semana...
segunda-feira, 14 de março de 2011
São velhas premonições que se trajam de monções.
E em palavras que ainda não foram escritas, forjam-se destinos.
Gostava que as palavras falassem...
Que tivessem voz própria para assim ganharem vida.
Elas formam-se rapidamente, com velocidades semelhantes a tempestades de verão, mas acabam por permanecer presas.
Não caem sob formas de dilúvios literários ou verbais.
As de carga negativa chocam com as suas semelhantes e antónimas de carga positiva.
Provocam tempestades eléctricas em tão reduzida amplitude.
No reflexo do olhar notam-se os relâmpagos de tão epopeica debandada de pensamentos.
E no silencio sente-se a chuva metafórica...
Mas os artifícios literários como metáforas e derivados são usados para embelezar ou complexar as palavras.
Para quê?
quando o seu significado é tão simples.
Tão simples como a chuva...
Mesmo quando se apresenta sob a forma demolidora de uma monção.
Só preciso deixa-las chover sobre mim.
Abrir a boca e beber da sua essência.
E talvez assim as consiga dizer...
E sejam sentidas como naturais.
naturais como a chuva...
E em palavras que ainda não foram escritas, forjam-se destinos.
Gostava que as palavras falassem...
Que tivessem voz própria para assim ganharem vida.
Elas formam-se rapidamente, com velocidades semelhantes a tempestades de verão, mas acabam por permanecer presas.
Não caem sob formas de dilúvios literários ou verbais.
As de carga negativa chocam com as suas semelhantes e antónimas de carga positiva.
Provocam tempestades eléctricas em tão reduzida amplitude.
No reflexo do olhar notam-se os relâmpagos de tão epopeica debandada de pensamentos.
E no silencio sente-se a chuva metafórica...
Mas os artifícios literários como metáforas e derivados são usados para embelezar ou complexar as palavras.
Para quê?
quando o seu significado é tão simples.
Tão simples como a chuva...
Mesmo quando se apresenta sob a forma demolidora de uma monção.
Só preciso deixa-las chover sobre mim.
Abrir a boca e beber da sua essência.
E talvez assim as consiga dizer...
E sejam sentidas como naturais.
naturais como a chuva...
quarta-feira, 9 de março de 2011
... E assim a Noite transformou-se em mim.
Tem aquela cor incolor como eu.
Tem aquele desejo infinito de desejar como eu.
Ontem morreu assim como eu.
Hoje nasceu como eu.
Remove cordões umbilicais que a ligavam ao dia.
Eu corto placentas de antigos credos.
E no planar de nuvens de incertezas, sei que ontem tinha uma.
A certeza de que eu transformei-me em Noite...
Tem aquela cor incolor como eu.
Tem aquele desejo infinito de desejar como eu.
Ontem morreu assim como eu.
Hoje nasceu como eu.
Remove cordões umbilicais que a ligavam ao dia.
Eu corto placentas de antigos credos.
E no planar de nuvens de incertezas, sei que ontem tinha uma.
A certeza de que eu transformei-me em Noite...
terça-feira, 8 de março de 2011
segunda-feira, 7 de março de 2011
Cinzento e tristonho como auroras boreais vulcânicas, assim é o pensamento que invade e se derrete por mim consumindo o meu corpo em erupções espamódicas.
Tanta soturnidade porquê? Porque sim...
Porque hoje acordei assim.
Como não questiono o porquê do sol e da lua nascerem e morrerem no horizonte todos os dias, também posso eu nascer morto um dia e nascer vivo no dia seguinte...
Não faz sentido.
Nada faz... Mas amanhã talvez tudo faça...
Tanta soturnidade porquê? Porque sim...
Porque hoje acordei assim.
Como não questiono o porquê do sol e da lua nascerem e morrerem no horizonte todos os dias, também posso eu nascer morto um dia e nascer vivo no dia seguinte...
Não faz sentido.
Nada faz... Mas amanhã talvez tudo faça...
sábado, 5 de março de 2011
quarta-feira, 2 de março de 2011
Recessão económica vs recessão humana.
O mundo está mergulhado numa profunda crise económica a que nenhum país escapa, embora, alguns tenham menos mazelas do que outros.
Não estou a dar nenhuma novidade, eu sei. É apenas uma frase inócua como tantas outras.
Serve, neste caso apenas para uma introdução a mais um texto meu.
Ora bem, passando ao que interessa:
Já aqui falei que o mundo do trabalho é cruel. De uma malvadez e sadismo imenso.
Ditam as regras da empresa onde trabalho que este mês de Março é o mês dos aumentos salariais. Nada contra, como é óbvio. Eu, como todos, quero sempre ganhar mais no emprego.
O que sou contra é o atropelo constante a que sou sujeito na minha empresa por parte das pessoas que agora , de repente, ficaram hiper-competentes e super-zelosas.
Um exemplo: Na minha secção somos 3 pessoas. Cada um tem o seu trabalho definido e não existe qualquer chefe. Apenas reportámos directamente ao patrão. Cada um tem a sua secretária onde pode lá colocar o que quiser e bem lhe entender. A minha está sempre arrumada. Sou desleixado mas apenas em part-time. Cada um tem 3 gavetas na sua secretária. As minhas estão quase vazias. É lá onde deixo o telemóvel, carteira, chaves do carro, tabaco e um caderno para escrever os devaneios que me trucidam durante o dia. Obviamente, não estou sempre a espreitar para todas as gavetas, pois sei como as deixei. Mas, hoje, por mero acaso precisei de ver uns papeis que lá tinha guardados e qual não é o meu espanto quando vejo as gavetas a abarrotar de papeis dos meus colegas!
Questionei-os sobre este facto. Resposta:" Oh pá, já sabes que não gostamos de fazer arquivo. Tínhamos as mesas a abarrotar de papel e para o patrão não ver enfiámos nas tuas gavetas já que tinhas lá montes de espaço."
O que dizer em relação a isto? É tão estúpido que nem merece resposta.
hoje parece que foi o dia das revelações. Entrei mais cedo na hora de almoço e vejo um dos meus colegas a reclamar a autoria de um trabalho que eu fiz perante o big boss.
Depois do chefão sair expludo: " Mas que merda foi esta?"
-"Desculpa lá, mas sabes como é. Este é o mês dos aumentos."
A cegueira é sinónimo de ambição. Os valores pelos quais as pessoas se regem podem ser postos em stand by durante um mês. Mas é por uma boa causa: É o mês dos aumentos. Em Abril voltará tudo ao normal. Ou não...
Não estou a dar nenhuma novidade, eu sei. É apenas uma frase inócua como tantas outras.
Serve, neste caso apenas para uma introdução a mais um texto meu.
Ora bem, passando ao que interessa:
Já aqui falei que o mundo do trabalho é cruel. De uma malvadez e sadismo imenso.
Ditam as regras da empresa onde trabalho que este mês de Março é o mês dos aumentos salariais. Nada contra, como é óbvio. Eu, como todos, quero sempre ganhar mais no emprego.
O que sou contra é o atropelo constante a que sou sujeito na minha empresa por parte das pessoas que agora , de repente, ficaram hiper-competentes e super-zelosas.
Um exemplo: Na minha secção somos 3 pessoas. Cada um tem o seu trabalho definido e não existe qualquer chefe. Apenas reportámos directamente ao patrão. Cada um tem a sua secretária onde pode lá colocar o que quiser e bem lhe entender. A minha está sempre arrumada. Sou desleixado mas apenas em part-time. Cada um tem 3 gavetas na sua secretária. As minhas estão quase vazias. É lá onde deixo o telemóvel, carteira, chaves do carro, tabaco e um caderno para escrever os devaneios que me trucidam durante o dia. Obviamente, não estou sempre a espreitar para todas as gavetas, pois sei como as deixei. Mas, hoje, por mero acaso precisei de ver uns papeis que lá tinha guardados e qual não é o meu espanto quando vejo as gavetas a abarrotar de papeis dos meus colegas!
Questionei-os sobre este facto. Resposta:" Oh pá, já sabes que não gostamos de fazer arquivo. Tínhamos as mesas a abarrotar de papel e para o patrão não ver enfiámos nas tuas gavetas já que tinhas lá montes de espaço."
O que dizer em relação a isto? É tão estúpido que nem merece resposta.
hoje parece que foi o dia das revelações. Entrei mais cedo na hora de almoço e vejo um dos meus colegas a reclamar a autoria de um trabalho que eu fiz perante o big boss.
Depois do chefão sair expludo: " Mas que merda foi esta?"
-"Desculpa lá, mas sabes como é. Este é o mês dos aumentos."
A cegueira é sinónimo de ambição. Os valores pelos quais as pessoas se regem podem ser postos em stand by durante um mês. Mas é por uma boa causa: É o mês dos aumentos. Em Abril voltará tudo ao normal. Ou não...
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