sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Dir-te-ei o que lês, dir-te-ei quem és.

Nas rondas pelos hipermercados, costumo passar pela secção dos livros. Isto porque sei que o meu dinheiro permanece em paz nos meus bolsos visto que a qualidade literária nesses locais não abunda. É uma boa maneira de soltar umas quantas gargalhadas folheando aquelas páginas de barbaridades que se encontram exibidas de maneira triunfal nas bancas como se de um bem de primeira necessidade se tratassem.
Livros tão sedutores como os da exs- mulheres de Pinto Da Costa e Carlos Cruz guerreiam com o de Sónia Brazão, Fátima Lopes e os muitos sobre Mourinho e Cristiano Ronaldo, tentando chamar a atenção aos consumidores ávidos de literatura tão boa para atear a chama das lareiras, salamandras, fogões de sala e afins...
Em tempos, perguntei-me quem compraria os imensos livros de "auto-ajuda" que floresciam nas estantes. Até que conheci alguém que tinha a colecção toda e se orgulhava disso. Afinal, aqueles livros serviram o seu propósito: quem os leu todos adquiriu um motivo para ter orgulho em algo, por muito dúbio que me possa parecer. Quem sou eu para julgar alguém, n´est ce pas?
Agora pergunto-me quem quer ler as biografias e estórias que se mostram tão altivas entre as suas semelhantes literárias nos corredores do consumismo desenfreado.
Se somos um país onde muito pouca gente possuí hábitos de leitura, haverá mercado para estes livros? Pela quantidade de exemplares exibida, parece que sim. Será que este novo tipo de papel higiénico- perdão, livros- terá uma percentagem mais atractiva para os seus autores do que os normais 10% em preço de capa que é a normalidade das edições literárias? Mais uma dúvida existencial de suprema importância que me irá assolar...
Folheando os jornais, chego à secção de critica cinematográfica e literária. Ora aqui está a profissão de sonho para mim.
Sinceramente, quem se dá ao trabalho de ler opiniões de pessoas que não conhecem de lado nenhum e dar-lhes alguma credibilidade?
Volta-se à eterna questão de que as pessoas acreditam e dão valor a tudo o que está impresso e/ou publicado. Tudo o que está à mão de folhear e/ou navegar na internet tem um valor indiscutível.
Serão então os críticos assim tão independentes? Serão assim tão diferentes dos jornalistas que tem que obedecer a linhas editoriais patrocinadas (impostas) pelos poderes políticos e económicos no poder?
Será que as editoras cinematográficas/musicais/ literárias fazem jogo limpo e não oferecem "pequenos" presentes para as suas edições terem boas palavras numa qualquer crítica?
Já que as pessoas, aparentemente, levam-me a sério, acho que eu deveria ser um desses críticos culturais. Seria o maior corrupto. Em troca de algo relevante, até o livro de Carolina Salgado elevaria ao nível do Livro do Desassossego. E quem poderia contestar? Estaria impresso/ publicado algures. Portanto, uma verdade absoluta. Comparável à existência de Deus.
Outro público compraria aquela atrocidade sob forma de livro e a mulher enriqueceria à minha custa... Para os meus leitores que consomem livros, existirá algo mais interessante e profundo do que ler que o Pinto Da costa quando está nervoso, não controla o seu intestino?

O sangue novo na literatura portuguesa padece deste mesmo problema. José Luís Peixoto está em todo o lado. Livros nas bombas de gasolina, quiosques e críticas fantásticas em tudo o que é imprensa. É uma nova forma de heresia falar mal da obra de José Luis Peixoto. Da dele e do seu grande amigo Fernando Ribeiro dos Moonspell. A industria já está tão viciada para estes dois nomes que podem lançar um peido sob forma de livro/cd que toda a gente os aspira profundamente.
São os mártires da arte portuguesa. Não os conheço pessoalmente, mas conheço bem as suas obras e posso chamá-los actualmente de presunçosos enquanto autores. É a minha opinião e só minha. Não tem nenhum valor e ao mesmo tempo tem todo o valor do mundo.
Temos Gonçalo M. Tavares que ganha prémios atrás de prémios no estrangeiro, mas aparece muito discretamente nos media. Não pode perturbar o reinado do Peixoto! Se alguém tiver a coragem de violar as regras da literatura, leiam o "Jerusalém" e depois digam-me alguma coisa. " Cemitério de pianos" só há um na obra de Peixoto. Mas na de Tavares todos os romances são outros jerusalens. Talvez Tavares não tenha amigos tão poderosos como Peixoto. Nenhum livro dele saiu conjuntamente com nenhum album de uma banda, mas ele continua a escrever da mesma maneira apaixonada e tresloucada que sempre escreveu. Ainda bem.
Talvez ainda tenha em mim aquele preconceito estupido que os metaleiros têm em relação ao que se torna mainstream, portanto, Tavares é um escritor underground e espero que assim continue... Não vá a fama torná-lo um novo Peixoto.

6 comentários:

nocturnidade disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
nocturnidade disse...

Já há alguns anos que o Peixoto se tornou alvo deste tipo de críticas. Aliás, desde que começou a vender. Eu, pessoalmente, sempre o conheci assim e gosto bastante do que ele escreve.
O Tavares é brilhante. Acho que são dois autores absolutamente distintos.
E digo-te, já ficava muito feliz se metade dos portugueses ao menos soubesse ler palavras com mais de duas sílabas.

Blizard Beast disse...

Escrevi isto porque parece que o Peixoto é o único escritor português e é um crime não gostar da obra dele. Há tantos e bons autores portugueses porquê ficar-se apenas por um?

nocturnidade disse...

Mas a questão é que o Peixoto não tem culpa que as pessoas usem duas palas quando colocadas em frente a uma prateleira de livros :P
Mas em compreendo-te, eu também gostava de viver num país em que toda a gente lesse Lobo Antunes. (Só não acho é que os Paulos Coelhos deste mundo tenham culpa disso) :)

je suis...noir disse...

concordo com os dois:)

tanto o jlp como gmt são bons escritores. (embora de facto considere que o jlp tem começado a deixar de ser tão interessante)
a questão de ser popular tem que ver com questões de marketing. não há duvida que o jlp tem um "esquema" bem montado (por ele ou por outros). entretanto, a "literatura" também se tornou uma questão de moda. não interessa tanto a escrita, mas os escritores... é óbvio que ganhará sempre quem mais aparecer e onde aparecer...

há até aquele pequeno pormenor: nunca são referenciados uns 2 livros "menores" na lista de livros editados de jlp!... talvez por fugirem do género que marca o seu estilo.(são claramente de um estilo bastante mais light)

mas cada qual terá as suas razões para seguir determinados caminhos e obedecer a certas regras do meio...

Blizard Beast disse...

Uma discussão de literatura no meu blog!!!!! Que lindo!!! Isto está a subir de nível.

Em relação a Lobo Antunes: Nunca percebi o porquê de se dizer "Quem gosta de Saramago, não gosta de Lobo Antunes e vice-versa." Eu adoro os dois.
Agora dou a mão à palmatória; o Saramago também teve/tem uma grande máquina por trás dele enquanto que o Lobo Antunes sempre foi "descriminado" em Portugal, coleccionando prémios internacionais. Talvez o JlP seja o Saramago dos tempos modernos e o Tavares seja o novo Lobo Antunes, passe a comparação estapafurdia.
Obviamente, não podemos gostar todos do mesmo e ainda bem, senão seria uma grande seca.
A literatura, como todas as "modas", é orientada pela industria que tem por trás e o meu comentário tem só a ver com esse facto. Também, quem me dera que as pessoas lessem, nem que fosse Paulo Coelho ou Nicholas Sparks.