Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa
tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem
pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os
maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem
despejar de repente. Elas não saem de lá. É preciso aguentar. Já
ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de
qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O
pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada.
Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar
triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e
comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só
há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguém antes de
terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e
desonra-o na alma.
(…) É preciso aceitar esta mágoa, esta moinha, que nos despedaça o
coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso
aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a
falta de justiça, a falta de solução.
(…) Dizem-nos para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais,
para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais
conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à
nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. O
esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com
grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se
depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar
correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se
cansar.
1 comentário:
Não conhecias?
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