A mulher portuguesa não é
só Fada do Lar, como Bruxa do Ar, Senhora do Mar e Menina Absolutamente
Impossível de Domar. É melhor que o Homem Português, não por ser mulher,
mas por ser mais portuguesa. Trabalha mais, sabe mais, quer mais e pode
mais. Faz tudo mais à excepção de poucas actividades de discutível
contribuição nacional (beber e comer de mais, ir ao futebol, etc).
Portugal (i.e., os homens portugueses) pagam-lhe este serviço,
pagando-lhes menos, ou até nada.
O pior defeito do Homem português é achar-se melhor e mais capaz que a
Mulher. A maior qualidade da Mulher Portuguesa é não ligar nada a essas
crassas generalizações, sabendo perfeitamente que não é verdade. Eis a
primeira grande diferença: o Português liga muito à dicotomia
Homem/Mulher; a Portuguesa não. O Português diz «O Homem isto, enquanto a
Mulher aquilo». A Portuguesa diz «Depende». A única distinção que faz a
Mulher Portuguesa é dizer, regra geral, que gosta mais dos homens do
que das mulheres. E, como gostos não se discutem, é essa a única
generalização indiscutível.
A Mulher Portuguesa é o oposto do que o Homem Português pensa. Também
nesta frase se confirma a ideia de que o Homem pensa e a Mulher é, o
Homem acha e a Mulher julga, o Homem racionaliza e a Mulher raciocina. E
mais: mesmo esta distinção básica é feita porque este artigo não foi
escrito por uma Mulher.
Porque é que aquilo que o Homem pensa que a Mulher é, é o oposto daquilo
que a Mulher é, se cada Homem conhece de perto pelo menos uma Mulher?
Porque o Português, para mal dele, julga sempre que a Mulher «dele» é
diferente de todas as outras mulheres (um pouco como também acha, e faz
gala disso, que ele é igual a todos os homens). A Mulher dele é selvagem
mas as outras são mansas. A Mulher dele é fogo, ciúme, argúcia,
domínio, cuidado. As outras são todas mais tépidas, parvas, galinhas,
boazinhas, compreensíveis.
Ora a Mulher Portuguesa é tudo menos «compreensiva». Ou por outra:
compreende, compreende perfeitamente, mas não aceita. Se perdoa é porque
começa a menosprezar, a perder as ilusões, e a paciência. Para ela, a
reacção mais violenta não é a raiva nem o ódio – é a indiferença. Se não
se vinga não é por ser «boazinha» – é porque acha que não vale a pena.
A Mulher Portuguesa, sobretudo, atura o Homem. E o Homem, casca grossa,
não compreende o vexame enorme que é ser aturado, juntamente com as
crianças, o clima e os animais domésticos. Aturar alguém é o mesmo que
dizer «coitadinho, ele não passa disto…» No fundo não é mais do que um
acto de compaixão. A Mulher Portuguesa tem um bocado de pena dos Homens.
E nisto, convenhamos, tem um bocado de razão.
O que safa o Homem, para além da pena, é a Mulher achar-lhe uma certa
graça. A Mulher não pensa que este achar-graça é uma expressão superior
da sua sensibilidade – pelo contrário, diverte-se com a ideia de ser
oriundo de uma baixeza instintiva e pré-civilizacional, mas engraçada.
Considera que aquilo que a leva a gostar de um Homem é uma fraqueza, um
fenómeno puramente neuro-vegetativo ou para-simpático – enfim, pulsões
alegres ou tristemente irresistíveis, sem qualquer valor.
E chegamos a outra característica importante. É que a Mulher Portuguesa,
se pudesse cingir-se ao domínio da sua inteligência e mais pura
vontade, nunca se meteria com Homem nenhum. Para quê? Se já sabe o que o
Homem é? Aliás, não fossem certas questões desprezíveis da Natureza,
passa muito bem sem os homens. No fundo encara-os como um fumador
inveterado encara os cigarros: «Eu não devia, mas.. » E, como assim é, e
não há nada a fazer, fuma-os alegremente com a atitude sã e filosófica
do «Que se lixe».
Homens, em contrapartida, não podiam ser mais dependentes. Esta
dependência, este ar desastrado e carente que nos está na cara, também
vai fomentando alguma compaixão da parte das mulheres. A Mulher
Portuguesa também atura o Homem porque acha que «ele sozinho, coitado;
não se governava». O ditado «Quem manda na casa é ela, quem manda nela
sou eu» é uma expressão da vacuidade do machismo português. A Mulher
governa realmente o que é preciso governar, enquanto o homem, por
abstracção ou inutilidade, se contenta com a aparência idiota de
«mandar» nela. Mas ninguém manda nela. Quando muito, ela deixa que ele
retenha a impressão de mandar. Porque ele, coitado, liga muito a essas
coisas. Porque ele vive atormentado pelo terror que seria os amigos
verificarem que ele, na realidade, não só na rua como em casa não
«manda» absolutamente nada. «Mandar» é como «enviar» – é preciso ter
algo para mandar e algo ao qual mandar. Esses algos são as mulheres que
fazem.
O Homem é apenas alguém armado em carteiro. É o carteiro que está
convencido que escreveu as cartas todas que diariamente entrega. A
Mulher é a remetente e a destinatária que lhe alimenta essa ilusão,
porque também não lhe faz diferença absolutamente nenhuma. Abre a porta
de casa e diz «Muito obrigada». É quase uma questão de educação.
A imagem da «Mulher Portuguesa» que os homens portugueses fabricaram é
apenas uma imagem da mulher com a qual eles realmente seriam capazes de
se sentirem superiores. Uma galinha. Que dizer de um homem que é domador
de galinhas, porque os outros animais lhe metem medo?
Na realidade, A Mulher Portuguesa é uma leoa que, por força das
circunstâncias, sabe imitar a voz das galinhas, porque o rugir dela mete
medo ao parceiro. Quando perdem a paciência, ou se cansam, cuidado. A
Mulher portuguesa zangada não é o «Agarrem-me senão eu mato-o» dos
homens: agarra mesmo, e mata mesmo. Se a Padeira de Aljubarrota fosse
padeiro, é provável que se pusesse antes a envenenar os pães e ir
servi-los aos castelhanos, em vez de sair porta fora com a pá na mão.
Miguel Esteves Cardoso, in ' A Causa das Coisas '
1 comentário:
Ahahah Fantastico!
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