terça-feira, 5 de julho de 2011

Doí-me a existência.


O caracol que sobe lentamente a porta do meu carro merece o meu respeito. Ele é muito superior a mim. Ele conhece o sentido da vida e não teve que escrever ensaios filosóficos sobre isso. Simplesmente sabe.
O meu gato dorme tranquilo à sombra de uma árvore. Ele também é superior a mim. Está sempre calmo e sem uma única preocupação. Não precisa de trabalhar assim como os restantes animais ao contrário de nós "seres racionais" que temos de o fazer para sobreviver e para tentar anular um pouco do imenso tédio que é a nossa existência.
Os animais não obedecem a um qualquer sistema político. Não lhes foi imposta uma única crença religiosa. São livres e puros e por isso são superiores a nós.
A humanidade, convicta da sua supremacia sobre as restantes espécies, destrói habitats, dizima espécies inteiras, captura outras para as mostrar atrás de grades onde habitam olhos vazios. Mero reflexo da inveja que nós animais inferiores sentimos em relação a criaturas simples de hábitos igualmente simples.
Os animais não sabem o que é o dinheiro. Nunca sonharam com uma crise económica hecatombiana a nível mundial e mesmo que o tivessem feito, não se interessariam minimamente.
Na nossa liberdade disfarçada de escravatura olhámos os animais como selvagens e perigosos, enquanto que as únicas selvajarias que foram e serão cometidas são orquestradas por nossos espécimes semelhantes.
Os animais não tem maldade, o mesmo não se pode dizer das pessoas. Os animais apenas tem instinto de sobrevivência. As pessoas tem instinto de destruição e malvadez pura.
Na nossa mente, as grades com que tentámos capturar os animais para as mostrar ás nossas crianças são apenas metafóricas estamos dentro de uma jaula enorme e os animais é que nos olham com ar trocista e de repugnância pois somos a mais vil das criaturas.
Vou, talvez, juntar-me a uma qualquer alcateia. Vou uivar à lua e procurar comida por entre os montes e vales. Por vezes visitarei os humanos que me temerão mortalmente, mas nada comparável com o receio que tem da opinião dos vizinhos ou de uma qualquer entidade que ninguém viu que é apenas castigador mas que merece toda a veneração.
Talvez nesse momento seja eu invejado por alguém da mesma maneira que eu invejo neste momento o meu gato que afia as unhas despreocupadamente e ignora totalmente o meu chamamento enquanto se forma no seu pequeno cérebro este pensamento: -"Vai trabalhar para ganhar dinheiro que eu fico aqui à sombrinha sem uma única preocupação. Vai lá, vai, ser racional. Prostitui a tua alma como todos os teus semelhantes. Se tiveres fome morrerás pois não sabes caçar. Portanto, eu pavoneio a minha superioridade ao mesmo tempo que rebolo no chão e persigo o meu rabo. Já alguma vez sentiste-te assim tão leve na tua vida adulta? A felicidade está nas coisas simples. Vós é que complicais tudo."

1 comentário:

Sofia disse...

Andas metido nos ácidos agora? Sei que adoras gatos, mas ter conversas existênciais com eles. LOLOLOL