domingo, 18 de novembro de 2012

Casa de papel- crónica de Valter Hugo Mãe na edição de hoje da revista 2 do jornal Público.

"Chamar casa de Papel a uma crónica em torno das coisas dos livros é já denunciar um saudosismo romântico. Fica um tom melancólico no ar, uma poeticidade a mudar para antiga, talvez um certo lamento.
Não sou nada contra o livro digital e a maravilha que as tecnologias oferecem. Mas sou do tempo do papel e sonhei com livros de papel.
Quando pensei ser escritor, um livro assim abriu-se acima da minha cabeça imaginária como um telhado sob o qual passei a habitar.
Guardarei sempre essa ideia, ainda que possa vir a ler em ecrãs sofisticados e frios. O livro de papel, como o coração, é um símbolo.Habituei-me a conferir-lhe determinadas mágicas que, por mais sofisticação que me assalte, não serão substítuidas. O livro, esse de folhas, pulsa.

As casas de papel são modos de pensar na tangibilidade do texto, na manualidade de que ele dependeu para ser lido. São modos de pensar nos autores. Cada autor como um lugar e um abrigo. Ler um livro é estar num autor. Preciso de pensar nos objectos para acreditar nos lugares. Oh, nossa deslumbrante desgraçada mudadora, não consigo sentir-me bonito dentro de um Kindle, de um Ipad ou de um Kobo. Penso em mim melhor numa coisa entre capas. A ilustração sem pilhas.Eternas e sem mudanças.De confiança.

Quantas vezes, estupefacto, abri um livro na mesma página para encontrar a mesma frase da mesma maneira apresentada? E que prazer saber que a expectativa de que aquele universo se preserve não sairia gorada, porque os livros de papel são estáveis, não pensam em ser outra coisa senão por dentro das próprias palavras. (...)

Amar um livro é pedir-lhe que seja sempre nosso, assim como um amor que se conserva para repetir ou reaprender. Como poderemos jurar fidelidade a um texto que se desliga? É como não ter sentimentos, descansar na morte, não permanecer vivo enquanto espera por nós. (...)

Os leitores, sabemos bem, são territoriais. Como os cães. Sublinhamos e não suportamos os sublinhados dos outros. Ainda que toscos, mal alinhados, são a marca da nossa passagem por ali. É a reclamação da posse. Como os cães. Como, pois, dar provimento a essa natureza num ecrã?Que efeito terá uma linha mandada traçar por um comando asséptico que não se pode comparar com o chichi? O dos cães.
Faz-me sofrer. Confesso. Faz-me sofrer."

Uma das principais razões de ler o Público é o facto de recusarem o novo acordo ortográfico....

1 comentário:

Peggy Spooky disse...

Concordo plenamente com o senhor Valter, ate porque nao consigo ler e-books. Para mim um livro e como o retrato de Dorian Gray, capta o pior e o melhor de nos, e deixa nos leves como se o tempo nao passasse e os problemas nao aparecessem. Nao acho que se consiga captar isso a olhar para um ecra.